Em 2016, a Disney lançou uma versão live-action do seu clássico desenho de 1967 e eis que 2 anos depois, a Netflix fez uma releitura dessa história em sua versão “Mogli: o livro da Selva“.
Essa releitura da Netflix não é exatamente um Mogli para crianças, mas não vou fazer uma crítica em relação ao roteiro, não é o foco desse blog. A questão que me fez fazer esse post e que pode passar batido, é que O FILME SE PASSA NA ÍNDIA! E isso foi feito de forma muito interessante sem criticar ou exaltar a cultura indiana e explorando até algumas questões mais profundas e detalhes da Índia.
A partir disso, foi que tomei a iniciativa de listar 15 coisas da cultura indiana que estão no filme:
1) Título imitando hindi
Primeiramente, o logo do filme já vem em uma fonte que imita os caracteres do idioma hindi. Claro que o hindi tem suas próprias letras.
Uma coisa curiosa, é que as palavras no hindi são separadas por essa barra em cima.
Quem tiver interesse, tem uma fonte chamada “samarkan” que também imita o hindi.
Outras curiosidades sobre o hindi, eu escrevi aqui.
2) Etnia indiana
Apesar de americano, o ator mirim Rohan Chand que interpreta Mogli, é filho de indianos e é claramente de uma etnia indiana. Logo nas primeiras cenas fica evidente pelo tom da sua pele, olhos pretos, cabelos pretos e traços do rosto.
3) Roupas tradicionais
No começo do filme, as primeiras aparições dos humanos, as mulheres estão usando sari (vestido tradicional indiano) e os homens, roupa de pastor indiano.



4) Vaca sagrada
No contexto em que o filme está inserido, se dá bastante ênfase que a vaca é sagrada para o homem. E só tem um lugar no mundo onde a vaca é sagrada, certo?


5) Fauna
Tudo bem que lobos, urso, pantera, sucuri gigante e hiena não são da fauna indiana mas muitos dos animais que aparecem no filme são: elefante, tigre, pavão e macacos.


Shree Khan, o vilão do filme é um tigre-de-bengala, animal da região de Bangladesh e nordeste da Índia.

Curiosidade: o sobrenome Khan é muito comum na Índia, devido à invasão dos mongóis onde o imperador Gengis Khan teve muitos filhos. O próprio “rei de Bollywood”, se chama Shahrukh Khan.


Os macacos foram muito bem retratados no filme porque existem duas espécies de macacos principais na Índia: langur cinza e o zati.

Outra coisa ilustrada no filme é a ocupação dos macacos em um templo abandonado. É muito comum na Índia e no sudeste asiático, templos e ruínas tomado por macacos.


Fiz um post só sobre os animais da Índia aqui.
6) Oferenda de flor
Nas poucas cenas que aparecem imagens de divindades, pode-se observar as oferendas com uma flor chamada tagete-laranja, muitíssimo comum na Índia.


7) Comida típica
Spoiler: no momento em que Mogli é capturado pelos humanos, é oferecido para ele comida no cativeiro. E olha só se não é o famoso chapati (ou roti) ali no prato?!
Fiz uma série de posts sobre comida indiana aqui.
8) Holi festival
E você achou mesmo que um filme contextualizado na Índia não teria nenhuma festa típica?! Pois é, meu caro. Até o Mogli comemorou o Holi, o festival das cores!


Sem dúvida, o Holi é um dos festivais mais representativos da Índia. Ainda vou fazer um post só sobre isso no futuro.
9) Hijira
Spoiler: Mogli se integra com os humanos. E nessa primeira volta pela vila, aparece um homem vestido de mulher.

Considerados na Índia com um terceiro gênero, não se sabe ao certo quando um homem se torna uma hijira, algumas famílias entregam filhos afeminados às comunidades de hijiras para se tornar uma delas.
Parte de uma tradição antiga, Hijiras são homens castrados que se vestem de mulher, e de acordo com o hinduísmo, no ritual de castração dedicado à deusa Bahuchara Mata, elas ganham o dom de dar sorte ou amaldiçoar e por isso são temidas e atualmente vivem de pedir dinheiro na rua, porta de empresas, cerimônias de nascimento e casamento, além de se prostituírem.

10) Lápis no olho

Geralmente usado em crianças, o lápis no olho também é usado por homens na Índia como forma de afastar o mal olhado.
11) Bebida é mal vista
No hinduísmo, não se deve beber bebidas alcoólicas. Então na Índia, é mal visto quem bebe, principalmente por regiões e/ou pessoas que levam o hinduísmo a sério e são mais conservadoras. No Gujarat, onde morei, quem bebia era visto como “desandado”.
Durante a comemoração do Holi no filme, o inglês aparece sendo o único bebendo. Ele perde a linha e recebe olhares de desaprovação dos indianos.


Spoiler: na cena final, o inglês de ressaca, erra o alvo do tigre e acerta um tiro de raspão em Mogli.
12) Chillum
Apesar da questão da bebida, na mesma cena, indianos fumam maconha no chillum, espécie de cachimbo que tem que ser usado na vertical. Muito popular no estado de Himachal Pradesh.

No hinduísmo, o deus Shiva faz uso da cannabis e para os indianos, a maconha é aceitável com cunho espiritual. Tão aceitável que para os sadhus (hindus ascéticos que largam tudo para viver a religião) é liberado fazer uso da cannabis em público.

13) Respeito aos animais
Na Índia, a lei do karma é levada a tão a sério que os indianos alimentam pombo para gerar karma positivo! Logo no começo do filme, a pantera Bagheera ensina a Mogli que não se deve caçar por esporte.
Spoiler: é então que no final do filme, o caçador inglês que se gaba de seu zoológico particular, é atacado por um elefante. Como se fosse uma reação à suas ações.
14) Manga
Nenhum detalhe passa pelo O Cosmopolita!!!!!

A manga aparece umas 3 vezes no filme, nada mais justo. A manga é uma fruta super tradicional na Índia. Ousaria dizer que o Brasil está para a Índia assim como a laranja está para manga. Sendo assim, na maioria das vezes que se vai a um restaurante, o suco de manga é o único disponível.
15) Templo
No começo do filme, aparece um templo no meio do mato, um templo budista como se pode concluir pelas estátuas. Interessante que apenas 0,7% dos indianos são budistas enquanto 80% da população é hindu. O que não seria muito representativo, porém na região nordeste da Índia, onde Buda passou, o budismo é mais forte.

Apesar disso, a tradição mahayana do budismo que é praticada na Índia, não enfilera imagens de Buda na entrada do templo. Essa é uma prática da tradição theravada, muito comum na Tailândia e Mianmar.

Bola fora…
Uma bola fora que não pude deixar de notar no filme é esse rio que Mogli gosta de nadar. Esse tipo de formação não existe na Índia (se eu estiver errado, me corrija nos comentários).
Isso me chamou atenção por eu ter visitado rios assim no sudeste asiático. Tanto em Luang Prabang no Laos quanto no parque de Erawan na Tailândia possuem esse tipo de formação:


Afinal, que parte da Índia se passa o filme?
Considerando que o lugar é tropical só resta o sul ou nordeste da Índia mas analisando um pouco mais, a presença do tigre-de-bengala (que habitam mais a região nordeste e Bangladesh), o budismo que é forte no norte, dá para concluir que a história se passa no NORDESTE DA ÍNDIA.

O filme dá bastante ênfase à formação de chapadas, que até então eu não sabia que existia na Índia mas pesquisando rapidamente vi que existe uma região chamada de Deccan Plateau (“Chapada Decão”) que realmente: vai até o nordeste nas proximidades de Calcutá, onde os ingleses tiveram forte presença.

Para finalizar
Apesar de ter ficado famoso pelo desenho da Disney de 67, Mogli é um personagem de um livro chamado “O livro da selva: Contos de Mowgli e outras histórias” escrito em 1894 por um inglês chamado Rudyard Kipling que é um conjunto de 7 contos, sendo apenas 3 sobre Mogli.
Todos os contos do livro são dentro do contexto Índia do séc. XIX. Ainda não li o livro mas deixei o link da edição dos clássicos da editora Zahar, que após ler outros livros da coleção, recomendo fortemente porque além do texto e ilustrações originais, vêm com análises e comentários.
E aí, alguém já viu o filme? O que achou? Leu o livro? Essas questões que eu pontuei nesse texto estão presentes no livro também?
Chalo,
O Cosmopolita
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